Danyelle Gonzaga Monte da Costa[1]
José de Sá Pessoa
RESUMO
Segundo estudo da Organização Mundial da Saúde, o Brasil aparece em quinto lugar entre os países recordistas em mortes no trânsito. O desrespeito às normas, a fragilidade da fiscalização e a sensação de impunidade têm contribuído para este cenário. Diante disso, o objetivo do presente estudo é apreender as representações sociais de dois grupos: estudantes universitários e operadores de segurança pública em relação às legislações, infrações e acidentes de trânsito em Rio Branco, Acre. Como abordagem teórica, utilizou-se a Teoria das Representações Sociais (TRS), nas análises qualitativas, usando a ferramenta de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2006), e foram realizados levantamentos junto aos órgãos de trânsito, Detran-AC, Rbtrans e Deracre. A coleta de dados realizou-se através de questionário semiestruturado, aplicado em uma amostragem de 23 estudantes universitários e 25 operadores de segurança pública. Como resultado, foram obtidas as representações sociais sobre a legislação, o comportamento frente às normas e acidentes de trânsito, a partir das quais conclui-se que os atores sociais em estudo são conhecedores da legislação de trânsito e as consideram importantes, embora demonstrem representações contraditórias sobre a efetiva obediência a essas leis. Concluímos ainda que o comportamento no trânsito dos grupos referidos tem contribuído para o aumento dos índices de infrações e acidentes de trânsito na capital acreana.
Palavras-chave: Trânsito; Infração; Acidentes; Representação Social.
ABSTRACT
According to a study by the World Health Organization, Brazil ranks fifth among countries in traffic deaths. Breaking rules, the lack of supervision, and the sense of impunity have contributed to this scenario. Therefore, the objective of this study is to understand the social representations of two groups: university students and public safety operators in relation to traffic laws, infractions, and accidents in Rio Branco, Acre. As a theoretical approach, the Theory of Social Representations was used in the qualitative analyzes using the Content Analysis tool proposed by Bardin (2006) and surveys were carried out with the transit agencies, Detran-AC, Rbtrans, and Deracre. The data collection was done through a semi-structured questionnaire, applied in a sample of 23 university students and 25 public safety operators. As a result, the social representations about the behavior against legislation and traffic accidents were obtained, from which it can be concluded that the social actors under study are knowledgeable about the traffic rules and consider them important, although they have demonstrated contradictory representations about the effective obedience to these laws. We also conclude that the behavior in traffic of the mentioned groups has contributed to the increase of the infraction’s indices and traffic accidents in the capital of Acre.
Keywords: Traffic; Infringement; Accidents; Social Representation.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo principal apreender as representações sociais sobre infrações e acidentes de trânsito de dois grupos de condutores de Rio Branco, Acre.
Sobre os acidentes de trânsito, a Organização Pan-Americana da Saúde – Brasil (2016) considera que “anualmente cerca de 1,25 milhão de pessoas são mortas em decorrência de acidentes de trânsito”. Ainda sobre essa problemática, Rodrigues (2018) enfatizou que os acidentes de trânsito são a maior causa de mortes de jovens no mundo. No Brasil, a violência no trânsito é responsável por mais de 40.000 óbitos anualmente.
Segundo Fernandes (2016), as mortes decorrentes de acidentes de trânsito não podem ser consideradas “meros” acidentes, ou seja, elas são causadas, invariavelmente, pelas ações dos condutores.
Ainda sobre essa temática, o pesquisador considerou que “prevenir mortes no trânsito é tarefa delicada e muito difícil, pois está diretamente ligada às fragilidades do comportamento humano” (FERNANDES, 2016, p.3).
Os acidentes de trânsito no Acre não diferem da tendência nacional, conforme levantamento do site Vias Seguras (2017), o qual aponta que, em 2010, 140 pessoas foram mortas em decorrência de acidentes de trânsito nas rodovias federais, estaduais e municipais. A mesma fonte, divulgando os dados do Ministério da Saúde (Datasus), destaca os seguintes dados: ocorreram 158 óbitos em 2012, 129 em 2013, 136 em 2014 e 114 em 2015.
Dentro desse contexto, pesquisas sobre os fatores que levam os usuários das vias a desrespeitar a legislação de trânsito, a partir da visão de grupos sociais, são extremamente relevantes, pois subsidiarão os gestores, agentes da autoridade de trânsito e os usuários das vias públicas na implementação, execução e cumprimento de medidas minimizadoras dos índices de infrações e de acidentes.
Diante da escassez de estudos dessa natureza no estado do Acre, considerou-se a necessidade de compreender os comportamentos que levam os condutores a infringirem as normas que regem o trânsito e, consequentemente, à ocorrência de acidentes. Assim, espera-se contribuir para que o presente estudo possa subsidiar o planejamento das ações voltadas ao cumprimento da legislação de forma livre e consciente.
Como resultado da pesquisa, foi possível constatar que os grupos sociais em estudo detêm o conhecimento sobre a legislação de trânsito e admitem a importância de obedecê-la como forma de reduzir as mortes decorrentes de acidentes de trânsito. Todavia, quando confrontados com suas condutas sobre cometimento de infrações, ambos se destacaram, nesta análise, de forma paradoxal, ou seja, a teoria diverge da prática.
1 REFERENCIAL TEÓRICO
O embasamento teórico dessa pesquisa fez uso da teoria das Representações Sociais (TRS) idealizada por Serge Moscovici, para quem “As representações sociais são sempre um produto da interação e comunicação e elas tomam sua forma e configuração específicas a qualquer momento” (2007, p.21).
As interações citadas advêm do equilíbrio específico de processos de influência social, os quais refletem o pensamento de Moscovic, conforme o discurso: “(…) as coisas mudam na sociedade, isto é, para aqueles processos sociais, pelos quais a novidade e a mudança, como a conservação e preservação, se tornam parte da vida social” (MOSCOVICI, 2007, p. 15).
Neste contexto, Celso Pereira de Sá, discorrendo sobre a TRS, a considera “(…) uma modalidade de saber gerada através da comunicação na vida cotidiana, com a finalidade prática de orientar os comportamentos em situações sociais concretas” (SÁ, 1998, p. 68).
Novak e Teixeira (2018) apreenderam as representações sociais sobre os riscos no trânsito a partir de dois grupos sociais, motofretista e mototaxista. Esses pesquisadores concluíram que os riscos decorrem da imprudência, alta velocidade e falta de respeito.
Na mesma linha de pesquisa, Steigleder (2011) apreendeu as representações sobre os fatores que contribuem para as ocorrências de acidentes de trânsito e convergiu pra questões ligadas à:
(…) questão das drogas e da bebida, o uso do celular, o stress das pessoas, as sinaleiras estragadas, a desatenção, os congestionamentos, a infraestrutura da cidade, os motoqueiros, o desrespeito entre motoristas, a falta de educação das pessoas, a falta de sinalização em alguns locais, o excesso de velocidade, obras que são realizadas na cidade e que atrapalham causando acidentes, a falta de rigor nas leis e na punição, a formação dos condutores como sendo fraca, as atitudes imprudentes dos motoristas de ônibus, a falta de comprometimento das pessoas no trânsito, (…). (STEIGLEDER, 2011, p. 121).
Parafraseando Denise Jodelet, Celso Pereira de Sá enfatizou que:
(…) as representações são vinculadas na vida cotidiana. Esses suportes são basicamente os discursos das pessoas e grupos que mantêm tais representações, mas também os seus comportamentos e as práticas sociais nas quais estes se manifestam (SÁ, 1998, p.73) (grifo nosso).
Partindo dessas pesquisas e premissas, pode-se afirmar que a TRS se encaixa adequadamente na proposta desse estudo que confirma as palavras de (GUARESCHI 2008, p. 200) “Nossas representações não são independentes: têm a ver com nossa concepção de ser humano e de sociedade”.
Nesta perspectiva, e considerando a contextualização teórica, constatamos que há elementos que embasam o estudo das RS sobre infrações e acidentes de trânsito, a partir dos grupos de policiais militares e estudantes universitários, conforme (SÁ 1990, p.75) “Se um grupo mantém tal representação, isto quer dizer que há um consenso entre os seus membros”.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo realiza um estudo das representações sociais sobre legislação, infrações e acidentes de trânsito na cidade de Rio Branco, Acre. A amostra foi constituída por 48 entrevistados, composta por 25 policiais militares e 23 estudantes universitários. A distribuição por faixa etária para o grupo de policias militares foi feita da seguinte forma: idade de 35 a 52 anos, sendo 24 homens e 1 mulher. Dentre esses policiais, 90% são casados, 75% possuem nível superior completo, e 25% nível médio, e o tempo médio de habilitação varia de 5 a 30 anos. A distribuição por faixa etária para o grupo de estudantes foi a seguinte: idade de 18 a 34 anos, sendo 8 homens e 15 mulheres; 99% da amostra é composta por pessoas solteiras, 100% possuem nível médio, e o tempo de habilitação varia de 5 a 10 anos.
Para coleta de dados adotou-se a aplicação individual de questionário com perguntas abertas e fechadas. O questionário foi composto por 12 perguntas, sendo 9 fechadas e 3 abertas, que abordaram temáticas relacionadas à legislação de trânsito e ao comportamento do condutor. O instrumento de coleta de dados apreendeu as evocações dos atores sociais sobre legislação, infrações e acidentes de trânsito. Os respondentes foram voluntários para participar da pesquisa, assinando o termo de livre consentimento, e a coleta aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2018.
A escolha dos grupos compostos por operadores de segurança pública se justifica por tratar-se de sujeitos com “mais maturidade”, que, em tese, apresentam ações legalistas no trânsito. O grupo composto por estudantes foi selecionado dentre universitários porque corresponde à faixa etária que tem se destacado em óbitos por acidentes de trânsito, principalmente entre jovens de 18 a 24 anos.
Os métodos quanti-qualitativo e o dialético-indutivo foram aplicados na pesquisa. O levantamento quantitativo consistiu nos levantamentos de dados secundários relacionados aos índices de infrações e acidentes de trânsito ocorrido em Rio Branco, Acre, no ano de 2017.
Em fase posterior, foram feitos o tratamento e a análise dos dados, através do cruzamento dos dados primários e secundários, com o uso de gráficos e tabelas. As representações provenientes das evocações dos grupos em estudo foram submetidos às análises da TRS, a fim de obter as respostas referente aos fenômenos: legislação do trânsito brasileiro, cometimento de infrações e acidentes no trânsito utilizando a análise de discurso de Bardin (2006).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Acidentes, infrações e fatores de risco no trânsito
Tabela 01 – Acidentes de trânsito registrados em Rio Branco no ano de 2017
Mês | Acidente sem vítima | Acidente com vítima não fatal | Acidente com vítima Fatal | Total de acidentes |
Janeiro | 204 | 92 | 2 | 298 |
Fevereiro | 223 | 122 | 2 | 347 |
Março | 251 | 122 | 1 | 374 |
Abril | 207 | 86 | 0 | 293 |
Maio | 253 | 103 | 2 | 358 |
Junho | 209 | 84 | 5 | 298 |
Julho | 222 | 95 | 5 | 322 |
Agosto | 207 | 110 | 2 | 319 |
Setembro | 223 | 110 | 0 | 333 |
Outubro | 231 | 103 | 3 | 337 |
Novembro | 194 | 82 | 3 | 279 |
Dezembro | 205 | 86 | 2 | 293 |
Total | 2629 | 1195 | 36 | 3851 |
Fonte: Assessoria de Inteligência e Análise Criminal – PMAC (Polícia Militar do Acre)
Considerando a distribuição dos acidentes paras os 12 meses do ano de 2017, constatou-se que os meses de junho e julho apresentaram os maiores índices, com 5 (cinco) vítimas fatais, cada um.
Neste período, iniciam-se as férias escolares, festivais de praia, dentre outros eventos. Por isso, pode-se concluir que os índices de mortes destacados para os meses supracitados podem estar relacionados com a rotina fora do comum do rio-branquense, como também pela falta de cuidados e desrespeito às normas de trânsito.
No entanto, ao fazer uma análise dos acidentes sem vítimas, com vítimas não fatais e com vítimas fatais, o mês de março destacou-se com 374 (trezentos e setenta e quatro) ocorrências, conforme demonstrado na tabela 1. Nesse período, o estado encontra-se na estação chuvosa (inverno amazônico), o que, atrelado às péssimas condições das vias públicas e à sinalização precária, poderá ter contribuído para a ocorrência dos acidentes.
Gráfico 1 – Fatores de risco causadores de acidentes de trânsito em Rio Branco
Fonte: Assessoria de Inteligência e Análise Criminal – PMAC
Conforme dados da Assessoria de Inteligência da PMAC (Gráfico 1), o excesso de velocidade foi o fator de risco mais expressivo, causador de acidentes, em Rio Branco, no ano de 2017, logo seguido da infraestrutura e da visibilidade.
O excesso de velocidade está entre os fatores de risco que têm impulsionando as mortes por acidentes de trânsito em Rio Branco. Conforme discorrido anteriormente, em média 1,25 milhão de pessoas vão a óbito anualmente em decorrência de acidentes viários (OMS, 2016).
Corroborando com esta análise, artigo da Revista Apólice (2017) aponta que:
A OMS estima que um aumento de 5% na velocidade média amplia em cerca de 10% os acidentes envolvendo lesões e de 20% a 30% as colisões fatais. Segundo a organização, o risco de um pedestre adulto morrer se atingido por um carro a menos de 50km/h é de 20%. Porém, a chance de letalidade sobe para 60% se a pessoa for atropelada a 80 km/h.
Neste sentido, percebe-se que o fator de risco velocidade tem contribuído para a elevação dos índices de infrações e dos acidentes de trânsito, fenômeno que está vinculado à tomada de decisão dos condutores.
3.2 Análise dos resultados referentes às evocações dos policiais militares e estudantes sobre as infrações e acidentes de trânsito
Tabela 2 – Representações sobre o cometimento de infrações de trânsito
INFRAÇÕES | MILITARES | % | ESTUDANTES | % |
Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência | 8 | 32 | 3 | 13 |
Dirigir veículo com apenas uma das mãos durante o manuseio de aparelho celular | 11 | 44 | 17 | 74 |
Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança | 19 | 76 | 6 | 26 |
Transitar com velocidade superior à máxima permitida para o local | 9 | 36 | 18 | 78 |
Ultrapassagem de veículos pelo acostamento ou em interseções e passagens de nível | 3 | 12 | 3 | 13 |
Avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória | 9 | 36 | 9 | 39 |
Fonte: pesquisa (2018).
Com relação à análise dos militares, as infrações que mais se destacaram, em ordem decrescente, foram: deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança (Art. 167 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB), dirigir veículo manuseando telefone celular (Art. 252, parágrafo único do CTB), transitar com velocidade superior à máxima permitida (Art. 218, II, III do CTB), avançar sinal vermelho de semáforo ou parada obrigatória (Art. 208 do CTB), dirigir sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa (Art. 165 do CTB) e ultrapassar veículo pelo acostamento ou em interseções e passagens de nível (Art. 202 do CTB).
A mesma análise, para os estudantes, considerando as infrações mais recorrentes, está descrita, em ordem decrescente, de acordo com a Tabela 2, na qual destacaram-se: transitar com velocidade superior à permitida (Art. 218, II, III do CTB), dirigir veículo manuseando telefone celular (Art. 252, § único do CTB), avançar sinal vermelho de semáforo (Art. 208 do CTB), deixar o condutor de usar o cinto de segurança (Art. 167 do CTB), dirigir sob influência de álcool (Art. 165 do CTB) e ultrapassar veículo pelo acostamento (Art. 202 do CTB).
No comparativo entre os dois grupos de sujeitos (policiais militares e estudantes universitários), concluiu-se que o excesso de velocidade (18%) destacou-se para o grupo de estudantes (Art. 218, II, III do CTB), o que corrobora com o estudo da Assessoria de Inteligência e Análise Criminal da PMAC, que considerou o fator de risco velocidade como a principal causa para a ocorrência dos acidentes de trânsito.
Tabela 3 – Evocações dos atores sociais sobre a legislação e comportamento no trânsito | |||||
Evocações | Policiais Militares (%) | Estudantes (%) | |||
Respeitar a legislação – sim | 96 | 91 | |||
Respeitar a legislação – não | 4 | 9 | |||
Já foi multado | 68 | 57 | |||
Não foi multado | 32 | 43 | |||
acidente de trânsito – sim | 64 | 43 | |||
Acidente de trânsito – não | 36 | 56 | |||
Culpa pelo acidente – sim | 31 | 70 | |||
Culpa pelo acidente – não | 69 | 30 | |||
Faz parte de grupo de Blitz | 4 | 22 | |||
Avaliação ao volante – E | 8 | 22 | |||
Avaliação ao volante – MB | 36 | 30 | |||
Leis de trânsito – E | 8 | 4 | |||
Leis de trânsito – MB | 24 | 13 | |||
Leis de trânsito – B | 52 | 35 | |||
Leis de trânsito – R | 16 | 43 | |||
Leis de trânsito – R* | 0 | 4 | |||
E – excelente; MB – muito boa; B – boa; R – regular; R* – ruim | |||||
Fonte: pesquisa (2018). |
As evocações sobre o cumprimento da legislação e comportamento no trânsito, demostraram que 96% dos policiais militares e 91% dos estudantes costumam obedecer à legislação.
No entanto, analisando o quesito referente a multas, cuja questão era investigar se o condutor Já foi multado, 68% dos policiais militares e 57% dos estudantes infringiram a legislação, o que demonstra divergência com o quesito Respeitar a legislação. Esta contradição corrobora com as considerações de Guareschi (2008), que considera a não independência das RS, ou seja, são influenciadas pela ética pessoal e de grupo, conforme o contexto social do indivíduo.
Neste contexto, houve o decaimento de valores morais e éticos relacionados aos comportamentos respeitar a legislação e já foi multado, pois, ao comparar aquele com a prática cotidiana deste último, ou seja, para essa evocação, os grupos se enquadraram no falso moralismo, inerente ao “jeitinho brasileiro” do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Observou-se no quesito relacionado a acidentes, cuja pergunta era você já se envolveu em acidentes de trânsito, que o resultado foi de 64% dos policiais militares que responderam positivamente, e, desse montante, 31% assumiram a culpa pelo acidente citado. Para os estudantes, 43% confirmaram terem se envolvido em acidente e, destes, 70% assumiram a culpa pelo ocorrido. As afirmações com relação a esses eventos seguem as análises para os quesitos respeitar a legislação e já foi multado, principalmente para o grupo dos estudantes universitários, em que 70% assumiram a responsabilidade pelos acidentes.
3.2.1 Representações sociais sobre os conteúdos e verbalizações
QUADRO 1 – Representações referentes às verbalizações do grupo composto pelos policiais militares
CATEGORIAS | SUBCATEGORIAS |
Avaliação da legislação brasileira | 1 – Positiva (muito boa, excelente, atende as expectativas) |
2 – Negativa (não cumpre o que está escrito, obsoleta, não soluciona os problemas) | |
3 – Intensidade das leis (brandas, rígidas) | |
Condutas de Gestão | 4 – Inserir mais profissionais na fiscalização |
5 – Falta de campanha de prevenção | |
6 – Falta de estrutura nas vias | |
7 – Produto de arrecadação sem investimento | |
8 – Fiscalização nos órgãos fiscalizadores | |
9 – Omissão dos órgãos fiscalizadores | |
Comportamentos dos condutores | 10 – Falta de educação dos condutores |
11 – Imprudência no trânsito | |
12 – Imperícia no trânsito | |
13 – Formação deficitária | |
História da legislação | 14 – Passado (leis rígidas) |
15 – Falta de atualização da legislação | |
Intervenções | 16 – Educação para condutores |
17 – Educação nas escolas | |
Incentivos governamentais | 18 – Bonificação para os condutores que cumprem a legislação |
19 – Investir em engenharia de trânsito | |
20 – Investir em transporte público |
Fonte: pesquisa (2018).
Na análise de conteúdo realizada, pode-se constatar que emergiram nesse grupo seis categorias e 20 subcategorias. Na primeira categoria, nomeada de avaliação da legislação brasileira, houve aprovações, críticas e reprovações, todas resultantes das verbalizações cognitivas, o que indica, primeiramente, que os grupos têm conhecimento da legislação de trânsito brasileira, embora se observe um discurso contraditório ancorado em aspectos positivos e negativos.
Considerando a categoria condutas de gestão chamou a atenção para as subcategorias falta de campanhas de prevenção, produto de arrecadação sem investimentos e fiscalização dos órgãos fiscalizadores. Pode-se inferir que o grupo, ao evocar a falta de campanhas de prevenção para o trânsito, externa a desaprovação das ações dos órgãos ligados ao trânsito. E, ainda sobre as críticas a essas instituições, o grupo as ratificou por intermédio das duas subcategorias subsequentes.
Sobre as categorias comportamento dos condutores e intervenções, as representações demonstraram que a infringência à legislação está relacionada às tomadas de decisões dos usuários das vias, conclusões ratificadas pelas evocações falta de educação dos condutores, imprudência, imperícia e formação deficitária. Em função dessas representações, os atores sociais, propõem a solução por meio de intervenções educacionais voltadas para o trânsito.
As representações sobre comportamentos dos condutores corroboram com as considerações de Steigleder (2011), que fez uma correlação da problemática do trânsito a questões comportamentais dos condutores, tais como: bebida e direção, fazer uso do celular, falta de educação das pessoas, dentre outras. Ainda, para essa categoria, as representações do grupo convergiram com o estudo de Novak e Teixeira (2018), que concluiu que os riscos no trânsito decorrem em função da imprudência, alta velocidade e falta de respeito.
Em relação à categoria história da legislação, o grupo de policiais militares em análise considerou que a legislação de trânsito brasileira está desatualizada e fez uma comparação entre a legislação do passado e a legislação da atualidade.
Com relação às intervenções e aos incentivos governamentais, chamou a atenção esta última, na qual os policiais militares, sugeriram uma bonificação para os condutores que cumprem a legislação, além de investimentos em engenharia e transporte público. Percebeu-se, nesse grupo, uma visão mais abrangente, a qual se espelhava, inclusive, em legislação de trânsito de outros países.
QUADRO 2 – Representações referentes às verbalizações do grupo composto pelos estudantes universitários
CATEGORIAS | SUBCATEGORIAS |
Avaliação da legislação brasileira | 1 – Positiva (muito boa, boa, bem estruturada) |
2 – Negativa (desatualizada) | |
3 – Regular | |
4 – Complexa | |
5 – Falta de atuação na prática | |
6 – Rigorosa | |
Condutas de Gestão | 7 – Penas mais duras |
8 – Foco no condutor e não prioriza as vias | |
9 – Muita burocracia | |
10 – Não investe na engenharia de tráfego | |
11 – Diminuir impostos | |
12 – Falta de regulamentação específica | |
Comportamentos dos condutores | 13 – Desrespeito pelas leis |
14 – Imprudência | |
Intervenções | 15 – Falta de educação para condutores |
16 – Falta de educação para pedestres | |
17 – Falta de educação para ciclistas | |
18 – Falta de educação nas escolas | |
Incentivos governamentais | 19 – Investir em engenharia de trânsito |
Motivos das infrações | 20 – Pressa ao volante |
21 – Imprudência do condutor | |
22 – Vias sem estruturas | |
23 – Falta de sinalização | |
24 – Impunidade | |
25 – Falta de atenção |
Fonte: pesquisa (2018)
Conforme as análises do grupo dos militares, as representações sociais referentes às verbalizações do grupo composto pelos estudantes universitários sobre a legislação de trânsito, infrações, acidentes de trânsito e sugestões de melhoria totalizaram seis categorias e vinte e cinco subcategorias.
Na primeira categoria, nomeada de avaliação da legislação, e suas respectivas subcategorias, houve convergências e divergências com as representações dos policias militares. Para a subcategoria negativa, os estudantes consideram a legislação brasileira desatualizada, já os policias a consideraram obsoleta, que não cumpre o que está escrito e não soluciona os problemas do trânsito.
No tocante à categoria nomeada condutas da gestão, os estudantes consideraram que os gestores priorizam a fiscalização em detrimento da infraestrutura das vias. Houve divergência das subcategorias e rigorosa e penas mais duras, a primeira elencada na categoria avaliação da legislação brasileira. As demais subcategorias chamou a atenção para as representações diminuição de impostos e não investe na engenharia de tráfego, o que corroborou com a representação que os órgãos direcionam suas ações para o condutor.
Na categoria comportamento dos condutores, as representações demonstraram que há o desrespeito para com as Leis de trânsito e que os condutores são imprudentes. Conclusão menos abrangente que a dos policiais militares, os quais concordam com os estudantes, mas acreditam que, além daquelas subcategorias, há falha na formação dos condutores, como também estes apresentam comportamento imprudente e imperito no trânsito.
Quanto às três últimas categorias, intervenções, incentivos governamentais e motivos das infrações, destacou-se a atenção para a intervenção, na qual os estudantes consideram importantes ações educativas voltadas para os pedestres, ciclistas e os condutores, como também educação de trânsito nas escolas, ou seja, todas aquelas que possam de alguma maneira influenciar positivamente no trânsito. Conclusão divergente dos policiais militares que, conforme o quadro 1, se restringiram às intervenções educacionais.
Com relação ao último item analisado, motivos para o cometimento das infrações, o grupo destacou a pressa ao volante, imprudência do condutor, vias sem estrutura, falta de sinalização, impunidade e falta de atenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os acidentes de trânsito e o desrespeito da legislação têm contribuído para um trânsito menos seguro. Essa problemática está ligada à falta de infraestrutura das vias públicas, educação para o trânsito e, principalmente, ligada ao comportamento dos usuários das vias. Este último corroborou com os objetivos deste estudo, que, dentre as representações sociais dos grupos, constatou que o excesso de velocidade e o não uso do cinto de segurança foram as infrações que se destacaram, para os estudantes e para os policiais, respectivamente. Assim, verifica-se que a problemática em estudo não é só técnica, mas, sim, comportamental.
Portanto, faz-se necessário a ampliação das ações preventivas e repressivas para o trânsito. As primeiras em todos os níveis escolares, ou seja, a partir do ensino fundamental ao superior. Concomitantemente às medidas educativas, faz-se necessário a intensificação das ações de policiamento e fiscalização, tendo em vista que a intensificação das ações repressivas surte efeito em curto prazo e decorre da ineficácia das ações preventivas.
Neste contexto, tais medidas se justificam, pois, conforme as representações dos grupos sobre cometimento de infrações e acidentes de trânsito constatou-se que estes são conhecedores e críticos das normas que regem o trânsito.
Assim, faz-se necessário à implementação de ações educativas, engenharia e fiscalização de trânsito, a fim de mitigar os óbitos e as infrações de trânsito, buscando garantir a segurança viária aos usuários, por intermédio do exercício à mobilidade urbana eficiente.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutora em Psicologia Social e Tenente da Polícia Militar do Estado do Acre, respectivamente.