Beatriz Varela Nepomuceno Almeida[1]
Emily Laísla Torres de Farias
Layla Marisa Vasconcelos de Araújo
Maria Luiza de Alencar Ferreira Lima
Junho
2023
Em uma sociedade ocidental que é pautada no cristianismo, patriarcado e misoginia, como os EUA e o Brasil, ser LGBTQI+ é um ato corajoso de existência. Apesar da pauta LGBTfobia está conquistando maiores espaços de importância e visibilidade, tanto no meio acadêmico como na sociedade civil, ser parte dessa comunidade está longe de ser fácil, e isso piora ainda mais quando observada a realidade das pessoas transexuais e travestis. Historicamente, a população trans sempre foi estigmatizada, marginalizada e perseguida, devido a ideia de que o “natural” é que o gênero atribuído ao nascimento seja aquele com o qual as pessoas se identificam (Herdt, 1996 como citado em Jesus, 2013, pg. 1).
De acordo com o Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras[2], da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil em 2022 foi o país com mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo pelo 14º ano consecutivo. México e Estados Unidos aparecem em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Os dados ainda indicam que mulheres trans e travestis têm até 38 vezes mais chance de serem assassinadas em relação aos homens trans e às pessoas não-binárias. Apesar da subnotificação, das 4.639 mortes registradas entre 2008 e setembro de 2022, pelo menos 1.741 mortes ocorreram no Brasil (37,5% do total). E o perfil da maioria das mortes é sempre o mesmo: mulheres pretas em situação de vulnerabilidade social e econômica. São dados extremamente alarmantes e considerados até mesmo um sintoma de uma sociedade extremamente excludente pautada no ódio ao feminino e ódio às minorias.
Em contrapartida, os dados apontam que o Brasil se configura como o país que mais consome conteúdo pornográfico transexual. Anualmente, o site de pornografias RedTube publica um relatório com as categorias mais buscadas e acessadas pelos internautas, sendo assim, as listas são classificadas entre palavras-chave, tendências, atrizes/atores/celebridades, entre outros. Dessa maneira, palavras como “shemale”, “transgender”, “brazilian shemale”, “ladyboy”, “travesti” e “travesti brasileira” são recorde de procuras, e o Brasil, desde 2016, se mantém na liderança das pesquisas. Outros sites famosos de pornografia também lideram videos com maiores visualizações dentro dessa categoria de busca, como o PornHub com 14.5 milhões e Xvideos com aproximadamente 45 milhões. Segundo dados do PornHub de 2019, o Brasil é o que mais acessa conteúdo com o termo “transgender”.
Dessa forma, o Brasil é um exemplo de uma sociedade paradoxal, o mesmo ódio que mata pessoas trans se atrela ao mesmo desejo sexual. De acordo com a revista Híbrida, 64% das vítimas de assassinatos de pessoas trans são profissionais do sexo, isto é, as mortes ocorrem por pessoas sem conhecimento íntimo, sendo apenas clientes. O ódio transfóbico é o que representa essas mortes, e o envolvimento sexual normalmente as antecede.
Esse desejo surge através de uma hipersexualizaçao e fetiches desses corpos, e, usualmente homens, vão atrás de satisfazê-lo de forma sigilosa, pois são acompanhados de culpa e preconceito, logo, esses não conseguem lidar com os sentimentos após relação sexual e precisam “extinguir” qualquer vestígio da realização do desejo, o que leva ao assassinato. O objeto de desejo é reprimido e transmutado para o oposto, a aversão, algo “repugnante”. Como o psicanalista Eric Laurent afirma, “o crime fundador não é o assassinato, mas a vontade do assassinato daquele que encarna o gozo que eu rejeito” (2014).
O desejo, para Freud, é uma força motivadora presente da psique humana, sendo impulsionado pela busca da satisfação e do prazer, enraizado em suas experiências passadas. Freud argumentava que o desejo é influenciado por impulsos sexuais e agressivos, além de ser moldado pelas interações sociais e pelas normas culturais. Segundo sua teoria, o desejo é sempre um retorno às experiências de satisfações, uma experiência que se formou e deixou um traço mnemônico, e precisará ser repetido. Muitas vezes, o desejo se apresentará a partir de informações que estão disponíveis na consciência, e por isso, pode aparecer de forma deformada e, muitas vezes, o sujeito não reconhece o conteúdo de fato do desejo, o objeto que deseja. Sendo assim, por não aceitarem esse desejo, reprimem para o inconsciente, que será a base para suas neuroses. Ao trazer para a consciência esse desejo e realizá-los, seja através de vídeos pornográficos na internet, ou a relação sexual de fato e obter a sua satisfação, são tomados pelo sentimento de voltar à inconsciência novamente, o que pode levar a violência e crime, como citado anteriormente, e fechado o ciclo.
A partir dessa temática, a discussão acerca das questões de gênero torna-se cada vez mais emblemática. Maria Rita Kehl, em seu livro, “Deslocamentos do Feminino” (2003), discorre sobre como antes de qualquer possibilidade de escolha, antes mesmo que o bebê se torne um sujeito do desejo, as formações de linguagem nos precedem e nos inscrevem em posições específicas na ordem simbólica. Assim que chegamos ao mundo, somos designados pelos primeiros significantes: ‘homem’ e ‘mulher’. Desde o início e para sempre, somos ‘homens’ ou ‘mulheres’, pois é assim que a cultura nos nomeia e nossos pais nos acolhem com base nas mínimas diferenças inscritas em nossos corpos. Devemos lidar com essas diferenças para constituir o desejo, a posição a partir da qual desejamos, o objeto que privilegiamos e o discurso pelo qual enunciamos nossa presença no mundo. Dessa forma, a influência da linguagem e das estruturas simbólicas na formação da identidade de gênero, mostram como os indivíduos são designados como “homens” ou “mulheres” desde o seu nascimento, antes mesmo de qualquer possibilidade de escolha. Kehl enfatiza a importância de compreendermos o papel da cultura e da socialização na definição das identidades de gênero, bem como os desafios enfrentados pelas pessoas para constituir seu próprio desejo dentro dessas categorias pré-estabelecidas.
Infelizmente, a teoria psicanalítica oferece discussões muito tradicionais quando a questão trabalhada é a de gênero. A teoria de Lacan, por exemplo, apresenta desafios na compreensão da transexualidade. A ênfase no binarismo do gênero e na primazia do falo pode limitar a compreensão das experiências trans, além disso, a pressuposição de que o sujeito busca a integração em uma identidade fixa e coerente desafia a noção de questionar as normas de gênero e buscar uma identidade que não se enquadra na dicotomia tradicional homem/mulher.
“A teoria lacaniana critica radicalmente a utilização da noção de “gênero” alegando que tais noções não levam em conta que a identidade sexual – construção imaginária – se constitui pela articulação do real e do simbólico. Uma vez que o real do sexo é inacessível, o essencial para a construção da identidade sexual é que ela seja simbolicamente reconhecida pela palavra do Outro, encarnada por quem acolhe a criança no mundo” (Ceccarelli, 2011)
Isso levanta questões sobre como a teoria de Lacan pode abordar a complexidade das identidades trans e como ela pode ser atualizada e adaptada para incluir uma visão mais ampla e inclusiva do gênero.
Dessa forma, faz-se necessário um diálogo entre a teoria psicanalítica e as perspectivas contemporâneas sobre as questões de gênero. A crítica feminista em relação ao falocentrismo de Freud é uma análise importante na busca por uma compreensão mais ampla da teoria psicanalítica, a partir do argumento de que essa perspectiva privilegia a masculinidade e subordina a feminilidade, perpetuando desigualdades de gênero e reforçando estereótipos tradicionais. No entanto, é importante ressaltar que as críticas feministas não descartam completamente a contribuição de Freud: elas buscam questionar e revisitar as noções falocêntricas, a fim de ampliar e aprimorar a teoria psicanalítica, tornando-a mais sensível às questões de gênero e promovendo a igualdade entre os sexos. As críticas feministas têm sido fundamentais para abrir espaço para novas perspectivas e vozes dentro da psicanálise, contribuindo para uma compreensão mais inclusiva e diversa das questões relacionadas ao gênero.
Com o aumento da visibilidade da população LGBTQIA+ ao longo dos anos, resultado da atuação de práticas ativistas, as experiências que se afastam do padrão cis heteronormativo passaram a ser melhor compreendidas pela sociedade. No entanto, persiste a dificuldade em distinguir certos termos, especialmente em relação à transgeneridade. Considerando que “o corpo se materializa como meio passivo no qual se inscrevem significados culturais” (Butler, 2003, p. 27), o discurso binarista heteronormativo gera e reforça a ideia de que o gênero está intrinsecamente ligado a uma determinada estrutura corporal e sexual. Como as pessoas trans não se identificam com o gênero imposto socialmente, surge uma sensação de incongruência em relação às características sexuais apresentadas, levando-as a buscar mudanças corporais para alcançar uma integração entre corpo e identidade de gênero (Lionço, 2009; Rocon, Rodrigues, Zamboni & Pedrine, 2016).
Gênero e Sexualidade: diferentes perspectivas
Para compreender um pouco mais o conceito de gênero e sexualidade é necessário também buscar as suas variadas perspectivas sociais e teóricas. Existe o Gênero e a Sexualidade para a Antropologia, para as relações psico-sociais, das quais podemos identificar um enfoque nas estruturas sociais e do sexo; para a Psicologia, na qual busca identificar como a identidade e os papéis de gênero atravessam as experiências existenciais dos sujeitos. Em específico para a Psicologia, especialmente na psicanálise, alguns teóricos contribuíram para uma compreensão maior desse conceito e termo. Ceccarelli (2017), afirma:
“'[…] Freud subverte os esquemas explicativos tradicionais ao afirmar que as perversões cuidadosamente catalogadas como aberrações humanas assombram o espírito de todos os homens – inclusive daqueles que as catalogaram – podendo ser observadas desde os primeiros anos da infância […]”’. Freud parte dos desvios da sexualidade, e não da sua função normal. Ele ainda parte da perspectiva de um “segundo gênero”, aquele no qual o gênero se forma na etapa anterior à castração e essa formação tem como base a diferenciação entre mãe e pai. Ao discorrer acerca da sexualidade, ele a relaciona a pulsão, aos seus caminhos e a impossibilidade de uma norma sexual.
Quando falamos de corpo e diferenciação de gênero, podemos entendê-lo também como algo construído a partir do momento que se descobre o sexo da criança. Ao descobrir se o bebê é menino ou menina, um leque de alternativas, definições, comportamentos, desejos e interesses é determinado e esperado pela criança ao nascer. Essa consolidação da crença de gênero após o nascimento, pode ser compreendida também a partir dos estudos de Freud, pois ele tentou focar no estudo da pulsão, sobre qual objeto a pulsão iria se direcionar, mesmo com tantas determinantes sociais e históricas. Ao longo dos anos, o gênero de uma criança foi determinado pelo sexo que lhe é atribuído na gravidez e no nascimento, em que ela se socializará por ele, mesmo que não esteja de acordo com o seu sexo anatômico. Para além disso, atualmente, temos a noção de que o gênero é performático, a masculinidade e a feminilidade são noções complexas e não naturais, que vão além dos instintos dos sujeitos.
Como afirma Bertini (2009): “talvez devêssemos falar de sexo/gênero: o gênero é, na realidade, o sexo social. Sendo a socialização sexuada, ela constrói o corpo como realidade sexuada – resultado de uma visão que produz uma divisão sexuante. Se não existe, como vimos, algo como uma essência do masculino/masculinidade e nem do feminino/feminilidade, mas apenas a potencialidade de tornar-se, o gênero nada mais seria do que uma falsa alteridade que gera estratégias de dominação”, ou seja, para a psicanálise, ser homem ou ser mulher não é uma questão de anatomia, mas de discurso. Antes mesmo de ser subjetivada pela criança, a diferenciação sexual já está presente nos pais e pode produzir efeitos no modo como estes tratam os seus filhos. O importante em toda essa experiência será a resposta singular construída pelo sujeito em face ao tratamento que recebe do Outro.
A noção de Semblante também é interessante quando falamos da temática gênero, porque seria a relação que cada pessoa tem com a própria aparência e como a utiliza na relação com o Outro, sendo uma das variadas formas de causar atravessamentos nos sujeitos. Ser “Homem” e “Mulher” são na verdade semblantes que a cultura nos oferece para nomear as posições de gozo que podem orientar um sujeito em sua trajetória. Tratam-se de performativos, que dependem de uma assunção subjetiva e de repetições ritualizadas para funcionarem como uma orientação precária no discurso. A transexualidade em específico estaria dentro desse processo: a pessoa transgênero e transexual não quer mais ser significado como o falo pelo discurso social, ela deseja retirar o “órgão” que lhe significa como homem no corpo social. Esse modo de gozo imperativo pode conduzir um sujeito a querer retificar sua anatomia e isso pode acontecer de diversas formas: usando o “discurso” feminino e masculino ou recusando os dois discursos completamente.
Segundo Quinet (2012), ao se tratar da Sexualiadade e o objeto A, Lacan buscou entender esse objeto do qual se aloja no íntimo do “Outro do amor”, este que se transformou no seu próximo, seu semelhante, o pequeno outro, seu amor; que lhe desperta o desejo e lhe dá prazer. Ele está entre o imaginário, o simbólico e o real. Para Lacan, é o “objeto a” que vem no lugar do parceiro de falta, e, do lado dela, da mulher, o que vem em suplência à relação sexual é o significante fálico — aí se encontra o parceiro sexual. Mas há algo que vai além do Falo – algo misterioso, de ordem não-fálico. Essa posição da “não-toda” faz com que o sujeito se divida entre o falo (buscado no parceiro sexual) e sua solidão. Assim, o mesmo sujeito, independente do destino que sua anatomia impõe, “pode-se deslocar e trans-passar o outro lado indo para o não universo do não-todo fálico”. Na vida sexual, essas posições são plásticas, ou seja, cada sujeito vai ter suas preferências, fixações e fetiches que se direcionam ao objeto de desejo formado a partir de nossas fantasias. A sexualidade de cada sujeito é sempre uma construção singular sendo uma criação particular e única de Eros, entendida como uma “solução”, no sentido de que engloba diferentes variantes na existência do sujeito – corpo, amor, desejo, gozo. É a partir disso que cada um de nós encontra a tentativa de solucionar os nossos conflitos – de natureza real ou imaginária – presentes desde o início da existência, para escapar ao sofrimento psíquico. Essa particularidade de cada “solução sexual” responde ao equilíbrio singular da dinâmica pulsional do sujeito (Quinet, 2017).
Para ilustrar esses conceitos, podemos discutir um pouco acerca da série Pose (2018), uma série de televisão americana que retrata o cenário LGBTQIA+ da periferia da cidade de Nova Iorque. Ela é essencial para compreender o marco histórico que perpassa entre os anos 80 e 90, apresentando a cultura ballroom quando estava em seu ápice. A cultura de baile era a válvula de escape para pessoas da comunidade e serviam como ferramenta para fugir da realidade, seja ela de uma família intolerante ou simplesmente de uma sociedade opressora de corpos e expressões diferentes. Além de todos os obstáculos causados pela homofobia e transfobia, esta também foi uma época marcada por tragédias e negligências estatais, com a crise da infecção do HIV e da AIDS em todo o mundo. Nessa dinâmica, os personagens se apoiam em uma rede de famílias escolhidas, conhecidas como Casas, para lidar com os preconceitos e receber acolhimento e afeto, para conseguir sobreviver em uma sociedade preconceituosa.
Na cultura ballroom, as Casas promovem uma organização familiar baseada na afetividade, onde se utilizam papéis específicos para evidenciar o parentesco dos membros, como por exemplo, o termo “mãe” ou “pai” para os líderes da casa, que acolhem e cuidam de todos, onde ambos os termos podem ser utilizados independente de gênero. Desse modo, as Casas se tornam um local de acolhimento para corpos marginalizados que nunca tiveram apoio familiar ou social (Silva, 2022). Segundo Judith Butler (2018), a vida depende da condição de apoio, caso contrário se torna algo precário, assim, as Casas oferecem aos seus membros o sentimento de pertencimento a uma família com que se possa contar em todas as situações e o que traz liberdade de expressão, as Casas são coletivos, uma estrutura social e cultural de apoio. Assim, na série Pose é apresentado diversas Casas que trazem esse contexto para a trama, como por exemplo a Casa Abundance, que tem como mãe a personagem Elektra Abundance.
A série dá um enfoque em diversos personagens, falando um pouco da trajetória de cada um e em como eles são acolhidos por suas casas ao longo da série. Aborda também a extrema vulnerabilidade dessas pessoas na sociedade, que são mais propensas a trabalhos precarizados como a prostituição e também podendo sofrer com a extrema pobreza. Mas para além disso, mostra essas pessoas expressando seus desejos e discursos, impulsionando as suas vidas e vivendo livres em sua própria comunidade. No episódio 3 da terceira temporada, conta-se o passado da personagem Elektra, antes mesmo de criar a Casa Abundância, quando ainda morava com a sua mãe e não podia se afirmar como mulher. Durante o arco narrativo pode-se perceber diversas questões muito presentes na realidade das pessoas trans em específico, fazendo uma certa comparação a diversos acontecimentos do primeiro episódio quando outro personagem, chamado Damon, foi expulso de casa por sua sexualidade.
Esses dois episódios retratam a realidade cruel de se afirmar como pessoa LGBTQIA+. Além disso, percebe-se toda a construção da personagem Elektra que tivemos contato durante as temporadas anteriores, compreendendo a sua subjetividade e os mecanismos dos quais a personagem se utiliza para sobreviver em um mundo que não a aceita. A Elektra Abundance, interpretada pela atriz Dominique Jackson, é uma personagem central na série Pose. Ela é uma mulher transgênero com uma presença marcante, considerada muitas vezes arrogante pelos outros da comunidade. Ela é a líder da Casa de Abundance, uma das casas de destaque na cultura dos balls em Nova York. Elektra é conhecida por sua elegância, beleza e por sua postura dominante. A personagem é uma figura complexa, frequentemente retratada como uma figura materna e protetora para os membros de sua casa, sempre em defesa dos seus filhos e sempre no discurso de “Mamma knows best”.
No entanto, ela também é ambiciosa e determinada a alcançar o sucesso e o reconhecimento na comunidade ballroom. A personagem de Elektra enfrenta diversos desafios ao longo da série. Ela foi expulsa de casa apenas com a roupa do corpo na adolescência por se afirmar como mulher e frequentar os ballrooms. Anos depois de ser expulsa ela retorna a sua casa para restituir os seus pertences e tem um embate com sua mãe, no qual ela diz: “Eu rezei todos os dias enquanto estava grávida de você para que você fosse um menino. Que crescesse forte e resistente para cuidar de mim como seu pai não cuidou. E eu não aceito que você tirou a única coisa que era destinado a mim. Eu não aceito a perda do meu único filho”, essa fala exemplifica em todas as palavras como a diferenciação sexual já está presente nos pais e pode produzir efeitos no modo como estes tratam os seus filhos e nesse caso, a mãe tinha o desejo de que seu filho se tornasse o marido perdido, expressando tudo aquilo do qual ela perdeu.
Elektra representa a força do feminino. Tudo aquilo que é considerado pouco e sem sentido no social por ser realizado por uma mulher: ela transforma em poder. Ela lida com questões de identidade, aceitação e busca por amor e realização pessoal, acima de tudo ela busca o afeto e a expressão do amor do qual ela nunca teve em casa. Uma das características marcantes de Elektra é sua busca por perfeição estética. Ela valoriza a beleza e a sofisticação, e está disposta a fazer sacrifícios e enfrentar desafios para alcançar seus objetivos. Essa busca pela perfeição também reflete sua necessidade de ser reconhecida e admirada, superando os estigmas e preconceitos que cercam as pessoas transgênero. A série é muito sensível em mostrar o fenômeno do trans-passar, reconhecendo as existências e todas as suas características.
Referências Bibliográficas
Butler, J. (2018) Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa de assembleia. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 1- 266.
Butler, J. (2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
Ceccarelli, P. R. (2017). Transexualidades e mudanças discursivas. Estudos em Psicanálise, 47, 83-90.
Kehl, M. R. (2003). Deslocamentos do feminino. São Paulo: Boitempo Editorial.
Lionço, T. (2009). Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 19(1), 43-63.
Quinet, Antonio. (2012). Os outros em Lacan. Zahar: Rio de Janeiro.
Quinet, Antonio. (2017). A psicanálise na era trans. Stylus: Rio de Janeiro, (35), 13-22.
Silva, I. B. L. da. (2023) . As implicações da dança Voguing na vida de corporeidades inseridas na cultura Ballroom Norte e Nordeste. Recife.
[1] Texto produzido para a disciplina O Gênero Vai ao Divã, Curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. As autoras são graduandas em Psicologia: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected].
[2] Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021 / Bruna G. Benevides (Org). – Brasília: Distrito Drag, ANTRA, 2022.