Danyelle Gonzaga Monte da Costa[1]
INTRODUÇÃO
Inicialmente considera-se importante contextualizar o momento histórico que a temática estudada se insere, em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou sobre a existência de um vírus letal que estava circulando chamado de Coronavírus, na ocasião se tratava de uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Aproximadamente um mês após essa declaração, em 26 de fevereiro de 2020, surgiu no Brasil o primeiro caso de uma pessoa contaminada pelo vírus vindo em seguida a óbito. No mês seguinte, portanto, em 11 de março de 2020, a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que se tratava de uma pandemia mundial.
Afunilando a contextualização para a realidade do Brasil, mesmo após 02 anos do início da Pandemia, ainda observam-se dados preocupantes, pois atualmente se registram (OMS, Fevereiro 2022) os números de casos confirmados acima de 28 milhões e o número de óbitos acima de 650 mil. Trazendo a questão para o Estado da Paraíba, local da realização da pesquisa, os dados também são bastantes significativos com o número de casos confirmados acima de 570 mil e o número de óbitos acima 10 mil pessoas.
É importante ressaltar que os dados antes da chegada da vacina no Brasil mostravam que uma em cada seis pessoas infectadas ficavam gravemente doente podendo chegar a óbito, e com a vacinação contra COVID-19, no Brasil, desde Janeiro de 2021, houve um decrescimento consideravel de casos e o de óbitos. Infelizmente por se tratar de um vírus, portanto com capacidade de mutação, novas variantes podem surgir a cada momento e provocar o contágio, caso a pessoa não se proteja a partir das orientações da OMS e Anvisa que rege com cientificidade os protocolos de biossegurança, a saber, como higienização das mãos com frequencia, evitar aglomeração e utilizar a máscara de proteção corretamente.
De acordo com a Fiocruz (2020), esse novo vírus chamado Coronavírus (SARS-Cov-2) causa uma doença chamada COVID-19, que tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca, alguns pacientes apresentam outros sintomas como congestão nasal, conjuntivite, dor de cabeça, perda de paladar ou olfato, erupções cutâneas na pele, dor de garganta, diarreia, dentre outros sintomas. Tais sintomas podem emergir de forma leve e gradual e até algumas pessoas infectadas podem ser assintomáticas. Um grande número de pessoas infectadas se recupera da doença sem precisar de tratamento hospitalar, e por outro lado um grande número de pessoas chegam a óbito.
Como se sabe um vírus pode atingir toda e qualquer pessoa independente de quaisquer variáveis (nacionalidade, gênero, etnia, idade, nível de escolaridade, profissão, dentre outras). Portanto, essa situação provoca naturalmente mudanças no cotidiano das pessoas podendo trazer uma série de malefícios a saúde de uma maneira geral, podendo trazer consequências devastadoras em suas vidas.
A partir da declaração da OMS que se tratava de uma pandemia mundial, inúmeras mudanças aconteceram em todo mundo, como: estabelecimentos comerciais fechando as portas, escolas suspendendo as atividades presenciais, instituições diversas adotando o trabalho de maneira virtual, cidades adotando sistemas de barreiras sanitárias, dentre tantas outras mudanças, com intuito de conter a disseminação e contágio pelo vírus letal e ainda pouco conhecido pela comunidade científica, enfim, foi travada uma verdadeira “guerra” contra o novo vírus.
Considerando a gravidade da doença e a situação das mudanças abruptas em suas rotinas, tem-se observado que as pessoas estão sentindo incômodos diversos relacionados ao seu estado de alerta, assim sendo, apresentam-se preocupadas, confusas, estressadas e com sensação de falta de controle diante das incertezas do momento.
O ser humano de uma maneira geral necessita de um tempo para elaborar as mudanças, principalmente quando essas são rápidas, obviamente alguns necessitam de mais tempo que outros. segundo Bock (2004), cada pessoa é única, singular e percebe a realidade de maneira peculiar. A própria OMS orienta que ao se avaliar a qualidade de vida das pessoas, devem-se levar em consideração os aspectos sociais, orgânicos, biológicos, emocionais e espirituais, afinal o ser humano apresenta uma natureza holística biopsicossocial e espiritual.
A partir da exposição supracitada sobre o contexto estudado a presente pesquisa investigou sobre um tema com relevância social e acadêmica, ainda pouco estudado na atualidade, por se tratar de um novo contexto social.
Partindo dessas premissas o presente trabalho objetivou analisar os efeitos que a pandemia da COVID-19 provocou nas rotinas de vida dos militares de uma Organização do Exército Brasileiro, que assim como tantos outros profissionais, não puderam parar suas atividades e tiveram que reorganizar nas suas rotinas, para adaptar-se ao novo contexto. Uma nova forma de vivenciar a vida enfrentando as incertezas e receios de contágio por esse vírus tão letal, como também, mudanças no contexto familiar, cujos familiares tiveram suas atividades escolares ou acadêmicas e profissionais, suspensas presencialmente, portanto estudando ou trabalhando de forma remota, dentre tantas outras mudanças que certamente afetaram seus comportamentos e sentimentos.
A metodologia consistiu em pesquisas bibliográficas, separação do material necessário para elaboração do artigo e a pesquisa foi descritiva e de campo de cunho quantitativo. Os participantes da pesquisa foram 50 (cinquenta) militares da ativa e Prestador de Tarefa por Tempo Certo (PTTC), sendo composta por 08 oficiais e 42 praças todos do sexo masculino. A coleta dos dados ocorreu em um quartel na cidade de João Pessoa-PB, de maneira individual e voluntária dos participantes, sendo a mesma realizada com prévia autorização do Comando e dos participantes da pesquisa. O instrumento elaborado e aplicado foi um questionário constando questões objetivas. A análise dos dados foi realizada através do Software SPSS (Statistical Package for the Social Science) que é um pacote estatístico com diferentes módulos, desenvolvido pela IBM para a utilização de profissionais de ciências humanas e exatas.
Os resultados mostraram que a quantidade de participantes que já tinham sido contaminados pela Covid-19 até o momento da coleta de dados, que foi realizada em meados do ano de 2021, do total de participantes na ocasião a maioria não tinha sido contaminada num quantitativo referente a 35 pessoas.
Os dados biososiodemograficos mostraram que a diferença entre casados e solteiros não foi significativa, considerando que pouco mais de 50% eram solteiros, mas mesmo nessa condição muitos moram com familiares, portanto em geral a amostra reside em grupos familiares que por conseguinte, vivenciam essas mudanças da rotina juntos, que de certa forma podem ser fontes geradoras de conflitos familiares. Segundo Heilbornclarice, Peixoto e Barros (2020) nestes tempos de isolamento (Covid-19), foram inúmeras as tensões familiares que culminaram em ruptura dos vínculos afetivos. No tocante a ter ou não filhos(as), 21 participantes com filhos(as) e 29 sem filhos (as) observa-se um número superior, embora não tão significativo que não possuem filhos(as), porém o fato de não possuirem não significa que residam sozinhos, seguindo portanto a mesma lógica da variável anterior (Estado Cívil).
Em relação a variável religião verificou-se um total de 20 católicos, 15 evangélicos, 05 espíritas e 10 sem religiosidade ou outras, portanto a maioria tinham algum vínculo com a religiosidade, independente de qual seja sua crença, essa variável foi analisada por se tratar de um contexto que propicia as pessoas buscarem “algo” ou “alguma coisa” para se ancorar frente a momentos difíceis.De acordo Figueira (2007), a pessoa que tem algum tipo de crença e está em sofrimento encontra na experiência religiosa forças para agir contra suas dores.
Em se tratando de um situação cuja morte se torna próxima e eminente a toda e qualquer pessoa, emergem inquietações de tentar entender e sanar o sofrimento causado pela morte das pessoas queridas, como também a tomada de consciência da própria morte. Para Dalgalarrondo (2008, P.55), “ trata-se de um fenômeno forte e significativo, que age no homem, em casos de luto ….. E em situações como essas, muitos conseguem encontrar refúgio apenas em contextos religiosos”.
A variável denominada trabalho remoto, presencial ou híbrido os dados mostraram que a maioria 45 militares trabalharam no formato presencial desde o início da Pandemia, são os trabalhadores considerados como trabalhos essenciais, caso que se enquadra o Exército Brasileiro, que em tempo de paz ou de guerra estão sempre prontos. Para os autores Guedes, Simeão, Brüning, Ragnini, Zanin e Rêgo (2020) no trabalho presencial durante uma Pandemia emergem diversas situações adversas como tempo, dinâmica e forma de execução de suas atividades, como também atenção redobrada para a execução das atividades e, ao mesmo tempo, o cuidado com o contágio. Assim, o “novo normal” trouxe mudanças na rotina do trabalhador demandando novos procedimentos. Desde a hora de sair de casa, no antes, a preparação e transporte para o trabalho; durante, na paramentação com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); e, finalmente, depois do trabalho presencial, no transporte de retorno e nos cuidados para a não contaminação do lar.
Quanto as cinco questões objetivas relacionadas a sentimentos vivenciados nesse momento específico os dados mostraram que foram assinaladas que as maiores dificuldades encontradas pelos militares na sequencia foram: o medo de se contaminar e ou contaminar seus familiares, falta de executar suas atividades físicas e sentir impaciência com os familiares.
No tocante as mudanças de comportamentos os achados mostraram que as questões mais assinaladas estavam relacionadas a mudanças na alimentação ( Falta ou excesso de apetite), mudanças na motivação para o trabalho, mudanças nas atribuições domésticas, mudanças nas rotinas dos(as) filhos (as) estudando em casa e o uso abusivo de tecnologias.
Esses resultados mostram que houveram muitas modificações no cotidiano familiar, surgindo diversos problemas em relação à convivência, propiciando rotinas estressantes, tanto para os pais, quanto para os seus filhos. Nesse aspecto, a convivência familiar entre pais e filhos durante a pandemia, pode ter elevado os conflitos já existentes no cotidiano familiar, tais dados corroboram com Heilborn, Peixoto e Barros (2020), que apontam que a condição isolamento social, provocada pelo contexto pandêmico, reflete diretamente na família, pois tais situações desgastantes culminam no aumento do estresse advindos das cobranças familiares.
No tocante ao uso abusivo da tecnologia, dado explicitado pelos participantes é fato que a pandemia de coronavírus (Covid-19) trouxe e trará impactos significativos e ainda não completamente dimensionados sobre a sociedade. Dados do IPEA (2020) mostram que as ferramentas tecnológicas trouxeram grande contribuição para integração das pessoas em vários âmbitos, porém também é real que o uso abusivo das telas traz danos irreparáveis a saúde das pessoas, independente da idade, porém as crianças passaram a utilizar muito mais a tecnologia, inclusive necessitando dela para atividades escolares, uma pesquisa global apresentou o Brasil como o terceiro país do mundo em que as crianças passam mais tempo usando as telas. Uma pesquisa realizada pelo Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, da Universidade Federal do Rio De Janeiro (UFRJ), Realizada no período de 1º de novembro de 2020 a 1º de janeiro de 2021, evidenciou um processo dependência das telas. O estudo mostrou que 62,5% das pessoas usaram tecnologias por mais de três horas todos os dias, e 49,1% por mais de quatro horas, durante o período de isolamento social imposto pela pandemia da covid-19. Portanto, tais estudos mostram que de fato muitos pais ou responsáveis estão apreensivos com esse novo modelo de “entretenimento” ou até dependências de seus filhos(as).
O presente trabalho alcançou os objetivos propostos, traçando o perfil da amostra e levantando dados em relação as possíveis mudanças de comportamentos e sentimentos dos participantes em relação ao contexto pandêmico.
No tocante aos resultados encontrados não foram muito distantes do que se esperava, a partir das referências bibliográficas utilizadas, que diante mão adianta-se que não são tantas, em função de se tratar de um contexto novo e que muitas pesquisas estão acontecendo e ainda não foram publicadas.
Acredita-se na contribuição e relevância desses achados e sugere-se que outras pesquisas sejam realizadas nessa perspectiva, para que mais pessoas tenham conhecimento sobre o quão danoso foi para o mundo essa pandemia, deixando consequências negativas de ordem econômica, social, individual em vários aspectos.
Conclui-se, portanto, que a Pandemia da Covid-19 influenciou de forma significativa na rotina de vida dos militares do Exército Brasileiro, assim como imagina-se que na vida da população em geral. Observa-se esses dados nos relatos das pessoas no nosso cotidiano ou mesmo nas redes sociais e midiáticas.
[1] Professora do Departamento de Psicologia – UFPB. [email protected]
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