DESQUALIFICADA: por uma escrita livre e criativa
A opção acadêmica diz respeito a um exercício profissional livre, comprometido, atuante e aberto ao contraditório. Assim fizemos nascer e crescer as Universidades Públicas e seu compromisso com a divulgação dos saberes científicos, literários, artísticos e tecnológicos.
Nosso maior compromisso, entretanto, sempre foi o da formação de quadros. A sociedade então, pagante destes serviços, via surgir semestre a semestre, uma leva de profissionais das três grandes áreas do conhecimento, como o classificamos: exatas, da natureza e humanas, com seus derivados.
Não há nenhuma mais importante. São conhecimentos diferentes, horizontais. Apenas o poder e seu exercício fomenta debates e conflitos quando torna estas áreas verticalizadas. O que seria mais importante para uma temporalidade do país? Mais médicos, mais engenheiros, mais antropólogos, mais psicólogos? A resposta é que estas são demandas locais e históricas. Tanto precisamos de um Niemeyer quanto de um Drummond de Andrade. Os saberes, pois, são complementares e se arranjam como notas numa partitura.
Em 1998, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – criou um sistema de avaliação de revistas científicas periódicas, o Qualis Periódicos. A partir de uma coleta de dados dos programas de pós-graduação no Brasil, as revistas passaram a ser ranqueadas em estratos classificatórios, segundo critérios que sempre são alterados, colocando as publicações num desenho piramidal, segundo impacto internacional, citações por autor, indexadores etc.
Este é um método norte americano de valoração das publicações. Mas segundo Lindsay Waters, no seu livro Inimigos da Esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição, publicado aqui pela Edunesp em 2006, o efeito deste ranqueamento foi uma desleal competição entre as áreas, a concepção de slice science (quando se publica o mesmo conteúdo em várias revistas com outros títulos) e um gigantesco demérito para a área de humanas, por suas especificidades na escrita. Os livros ficaram relegados e até hoje são considerados subprodutos.
Aliás, a categoria “produto” é utilizada pelas agências de fomento e classificação acadêmica como modo de quantificar as produções acadêmicas em geral.
A Desqualificada surge, neste cenário, não só como crítica, mas como proposta. O que é algo desqualificado?
Diria Carlos Drummond de Andrade, em A Flor e a Náusea, se tratar de algo feio, mas com potência de vida:
“Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
Não se disse de S. Freud, A. Einstein e S. Dali, os desclassificados? Furaram barreiras de fatos que se tinham como eternos, verdades absolutas que deveriam ser preservadas. A psicanálise foi desclassificada como teoria psicológica. A teoria da relatividade foi desqualificada como teoria do nada. O surrealismo foi desclassificado como arte menor.
Quem nos classifica?
A proposta da Revista Desqualificada é abrir para autores e autoras que queiram escrever textos livres. Sabemos de antemão que não seremos classificados com os conceitos atuais. Mas não é este nosso intuito.
Escrever. Escrever livre na academia. Escrever com criatividade. Elaborar formas-pensamento como rizomas de saberes que estão dentro, fora, ao lado dos saberes científicos. Escrita-pássaro. Escrita líquida. Escrever como forma de compreender o mundo. Permitir-se elaborações até aberrantes, como foram os saberes que ousaram ao longo da história.
Para nós, há tão somente uma regra: que a obra alheia seja de alguma forma citada. Mas sem regras apertadas, destas instituições mecânicas que nos causam temor de não saber onde por ponto, vírgula, espaços e nomes. De modo que o seu leitor possa reconhecer esta passagem citada, este fragmento, este extrato. Mas há também a perspectiva de uma citação de acordo com os moldes acadêmicos. A citação é uma referência a autores e suas obras, uma justiça com quem criou.
A Desqualificada é também uma linha de fuga. Fuga a estes grilhões que aprisionam nossa escrita, nossa criatividade. Resistência a estas normas produtivistas que tentam transformar nossa escrita em produtos.
Aqui a escrita é livre e pública. Escrever, ler, divulgar saberes. Este é nosso ganho acadêmico.
Os Editores