População LGBTQIA+ Diante do Corona Vírus: acolhimento sociopsicológico frente à pandemia

Vinícius de Oliveira Mota[1]

A pandemia do Corona Vírus trouxe grandes mudanças e alterações na vida de todo o território mundial. Diversos protocolos de saúde, higienização, prevenção, isolamento foram tomados.

Diante disso, como fica a saúde emocional da pessoa Lgbti+? Foi com esta inquietação que um grupo de profissionais formados em Psicologia, ambos com registro válido diante do conselho de sua região (Minas e Brasília) e cadastro no e-psi, se prontificaram a criar um protocolo de acolhimento para pessoas Lgbti+.

Acordaram entre si de que não ofereceriam terapia on line, fazendo com que todo o projeto fosse divulgado em caráter de acolhimento psicológico. Iniciou então no final do mês de março, com foco na saúde emocional do Lgbti+ frente ao isolamento social diante do Covid 19.

Partindo da ideia de que tudo hoje sofre alterações devido ao Covid 19, no decorrer do projeto, o que inicialmente a gente considerava uma demanda não pertencente ao projeto, decidimos acolher toda queixa inicial. Certo de que, novamente, tudo em nossas vidas hoje sofre alteração diante da pandemia.

Foi realizada uma parceria com o Centro Lgbts+ de Brasília, para que encaminhassem as pessoas assistidas pelo centro para este grupo de acolhimento, sendo feito também um trabalho de divulgação em redes sociais, lives com os coordenadores e a criação de uma identidade visual para as divulgações dos acolhimentos.

O projeto ainda está em curso, acreditamos que ao final de julho de 2020 encerraremos os acolhimentos, apontando alguns números interessantes de se ver, com base na minha atuação profissional.

Acolhi até o momento 71 pessoas, desses participantes, perguntamos inicialmente qual sua identidade de gênero, onde tivemos 43 declaradas mulheres, 25 declararam homens, 2 não declararam e 1 homem trans. Todos es participantes residem no Distrito Federal.

Diante deste número, cabe uma primeira análise e questionamento. Diante da pandemia, onde estão e como estão as mulheres trans, as travetis e transexuais? A divulgação do projeto não chegou até elas, isso traz como dado de que não atingimos a eficiência necessária.

Des participantes que responderam o item idade, temos uma média de referente a 30 anos e 4 meses, sendo que dos respondentes, três eram menores e o projeto não poderia acolher sem consentimento dos pais, por recomendação do Código de Ética do Psicólogo. O que fez com que dois destes participantes desistissem do acolhimento e um participante, os pais autorizaram sua participação no projeto – que falarei mais a frente sobre este paciente.

Com a responsabilidade ética de ter negado esse acolhimento, isso me motivou a criar um espaço de comunicação não formal. Logo que tive que recusar estes dois pacientes, percebi em suas buscas que sua queixa girava em torno de conflitos familiares, pois estavam mais tempo dentro de casa, onde estariam sujeitos a maiores violações. Criei um canal no you tube onde comecei a postar vídeos, lives, debates sobre a questão Lgbti+ em todos os contextos. Um vídeo que falo diretamente sobre os cuidados com as relações familiares, aceitação, respeito, trago uma entrevista com minha mãe, para que ela relate como foi sua experiência ao saber de um filho Lgbti+.

Diante ainda da coleta de dados, perguntamos sobre como os participantes se reconheciam quanto a sua cor/raça: 31% se declararam pardos, 30% brancos, 19% pretos e 20% optaram por não responder ou no momento do questionário não tem construída sua identidade racial.

Diante deste recorte do perfil de nossos participantes, escolhi um paciente em específico, que seu acolhimento serve para ilustrar os frutos deste projeto. Lembrando, que todos os personagens sofreram alterações, para que pudéssemos manter o sigilo e privacidade dos dados.

Logo que o Lucas (17 anos) entrou em contato comigo, tive que de imediato informar que o acolhimento só seria possível se os responsáveis autorizassem. Com uma certa dificuldade, após algumas semanas, a mãe do Lucas entrou em contato via aplicativo de mensagens, autorizando sua participação.

No primeiro acolhimento, não foi possível ser feito por vídeo chamada, pois Lucas estava em casa, cumprimento o isolamento social, e devido aos cômodos próximos, não podia falar sobre seus sentimentos sem que alguém pudesse ouvi-lo. Até iniciamos a chama de vídeo, mas ao ser questionado do porquê de buscar por acolhimento neste momento, ele logo se emocionou, ficou sem palavras, percebi e propus desligarmos a chamada.

“tenho medo da minha mãe ouvir”. – Lucas primeiro acolhimento.

Fizemos este primeiro acolhimento por mensagem escrita. Não é o mais recomendável, mas naquele momento eu não poderia deixar de acolher aquele paciente que trazia na sua tonalidade de voz a necessidade de alguém para escutá-lo.

Muito tímido, com poucas palavras, disse da dificuldade com os familiares em aceitar e respeitar sua sexualidade, recentemente trazida a público. Com foco na Psicologia Positivista, propus para reflexão do Lucas a respeito de onde mora sua felicidade nos dias de hoje.

No segundo acolhimento, Lucas ainda muito tímido falou sobre os assuntos que tem domínio, que gosta de ler, onde se sente pertencente na sua roda de amigos e que gostaria de ter este mesmo debate com sua mãe, mas que sempre divergem de opiniões, ouve palavras de cunho conservador e religioso. Sendo questionado sobre o que gostaria de falar com sua mãe no que diz respeito a diversidade sexual, Lucas não conseguiu me responder, dizendo se sentir travado, mas que gostaria.

Em dado momento, nas oportunidades que tinha para quebrar gelo, Lucas me disse do seu gosto pelos desenhos e pintura. Como se sentiu “travado” a dizer o que gostaria de falar com sua mãe sobre sexualidade, pedi tentasse trazer esse sentimento, essa falta de palavras, através do desenho.

No terceiro acolhimento, estávamos passando por um momento muito marcante a respeito dos crimes relacionados ao racismo nos Estados Unidos. Aprofundamos muito na temática sobre preconceitos, sendo que em sua casa, tudo se discute, tudo se percebe, porém, quando a discussão está relacionada a sexualidade, apare as maiores dificuldades e divergências. Ao ser questionado sobre o desenho, Lucas disse:

“não está pronto, mas tem sido muito positivo, há muito tempo não desenhava, isso faz com que eu me sinta mais leve”. Lucas – terceiro acolhimento.

Por fim, o projeto foi construído para que tenhamos até quatro encontro, o desenho ficou para o fechamento. Ao fazer o relato de como tem sido os últimos dias, Lucas disse sentir melhor consigo mesmo, que as reflexões a respeito de sua mãe e religião tem sido levadas para meditação na intenção de buscar por uma paz.

Quanto ao desenho, pedi que Lucas me relatasse a criação, os símbolos, significados de cada peça, dizendo que certo dia Lucas ouviu que nem sempre as folhas das árvores são verdes e que nem sempre o céu é azul. Então, desenhou uma pessoa e colocou ela presa numa caixa de vidro que ela não se sentia que fazia parte, onde tudo era “normal”.

Lucas disse ainda que as árvores de folhas verdes e o céu azul dentro da caixa representam a heteronormatividade e a heterossexualidade compulsória. Já no lado de fora, o desenho dos ipês de cores diferentes e um crepúsculo, montra que: “o diferente não é doença, nem errado e que ta tudo bem”.

Como interpretação do desenho, trabalhamos muito o sentido da caixa, as possibilidades diante dela, significados e representações na nossa vida. Como fechamento, enquanto profissional, orientei que buscasse por uma terapia, considerando o momento de saúde pública do país, que encontrasse um atendimento on line.

Dados do autor:

Vinícius de Oliveira Mota, Psicólogo Escolar pela Secretaria de Educação do Distrito Federal e Psicólogo Clínico Social. Especialista em Políticas Públicas, Infância, Juventude e Diversidade – UNB. Pesquisador nas áreas de gênero, sexualidade, diversidade no contexto das escolas militarizadas do Distrito Federal. Membro da comissão Lgbti+ do Conselho Regional de Psicologia 01 – Distrito Federal. Coordenador voluntário no Serviço de Psicologia do Centro Lgbts+ de Brasília.


[1] Psicólogo Clínico e Social

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